Blog do Delemon

ULTIMA HOMINIS FELICITAS EST IN CONTEMPLATIONE VERITATIS

Pilulas de sabedoria



A situação atual da Igreja Católica é difícil: no meio dos ataques ateístas mais despropositados, de uma briga entre ciência e religião que jamais ocorreu, ainda passando pelo estabelecimento dos dogmas para manter um corpo milenar de tradição e recebendo críticas justamente por querer se manter coesa com sua própria história e chegando às imposições secularistas(!) numa instituição que não se pauta pelo Estado Moderno (Dio santi! É anterior a ele), ela ainda conta com diversos pilares que se veem erodidos por dentro: doutrinas humanas se misturando à Palavra, degradação interna premeditada, além do ridículo debate em torno da camisinha e imputações das mais confusas e absurdas. Quando vejo a palavra “males” no discurso de alguém já fico com papel higiênico na mão, esperando a merda sair… parece que 90% das vezes que alguém tenta estabelecer as “causas” ou “propulsores” dos males modernos vale o blame America first, e quando essa obsessão antiamericana não se aplica, então pega-se qualquer porrete pra cima da Igreja Católica – como se não fosse pouco, aproveitam pra pegar toda a cristandade evangélica de tabela; resultado: são culpados de TODOS os crimes.

Igreja Católica Apostólica Romana e a Construção da Civilização Ocidental mediante a Moral, o Direito, a Filosofia e as Artes e as Ciências

No semestre que se fechou fiz um trabalho sobre Usura na disciplina de História Medieval. O tema é razoavelmente delicado e complexo. Numa exposição descuidada e, – devo dizer – razoavelmente manchada por incapacidade e/ou desonestidade intelectual oriunda das mais comuns ideologias da modernidade, ter-se ia uma visão esquartejada do tema. Além de uma boa quantidade de anacronismos absorvidos no quadro geral de interpretação histórica e ainda uma falta de informação tão tremenda que se alguém fosse interpelado sobre o tema, sua resposta seria tão superficialmente abstrativa quanto incapaz de explicar o fenômeno (e sua relação com a Igreja) no contexto em que se insere.

Pra resolver o problema mediante a pequena bibliografia e o tempo menor ainda o jeito que encontrei foi esticar a cronologia: no passado pra buscar as mais antigas execrações da usura – fora do cristianismo; e no futuro (da Idade Média, leia-se séculos XVI e XVII) pra buscar uma aberta defesa ao livre mercado pelos escolásticos tardios. Isso seria pior do que os efeitos descritos no parágrafo anterior se fossem despropositados. Não foram, é claro. Foi uma tentativa de mostrar como um pensamento que evolui lentamente se forçou a vulgarizar igualmente de forma lenta para absorver as mudanças do mundo e amparando seu discurso nas Escrituras e na tradição já fundamentada nos diversos concílios.

Ciente de que uma defesa do capitalismo pelos padres do século XVI não equivale, sequer, à liberação tácita da usura, tentei mostrar como uma posição que nos parece estranha hoje designa a evolução e transformação da mentalidade da Igreja e da sociedade durante os séculos finais do medievo. A usura passaria mais de uma categoria de trabalho para uma categoria moral que se aplica mais ao bel-prazer de quem identifica um usurário do que dele se vale. A usura não é o tema deste tópico, a uso para situar um dos temas em que o debate que exporei se dá. Uma fonte interessante para o tema foi a dissertação de Rodrigo da Costa Dominguez, Mercadores-banqueiros e Cambistas no Portugal dos séculos XIV-XV; e mais ainda o livro de Jesús Huerta de Soto, Escola Austríaca: Mercado e criatividade empresarial. Pra quem deseja saber mais sobre, há o igualmente recente The Church and the Market: A Catholic Defense of the Free Economy, (sem tradução) de Thomas E. Woods.

Thomas E. Woods, Jr., membro sênior do Ludwig von Mises Institute. Possui bacharelado em História por Harvard e seus mestrados, M.Phil., e Ph.D. pela Columbia University. É o autor de nove livros, incluindo 2 bestsellers do New York Times© Mises Institute 

E é o mesmo autor e sua obra que quero trazer à discussão. Com currículo portando os nomes de Harvard e Columbia, o Historiador é um católico que, no ambiente acadêmico dos EUA luta para desfazer muito do que passou pela historiografia como válido e concreto. O interessante sobre ele é que (pra usar uma analogia que ele mesmo usou) não basta apagar os incêndios que se espalharam pela História, mas reconstruir o edifício. Não adianta mostrar a falha, a falácia, a desonestidade intelectual que virou fonte crível, mas mostrar porque a a falha, a falácia, a inconsistência histórica são absurdos materiais – visto pelas fontes e relações de estudos sérios.

Nesse ponto acho que Thomas Woods chama muito atenção de seu interlocutor para a quantidade de historiadores e historiadores da ciência que estão revendo certas questões. Pra mim, se um estudo é feito com intellektuelle Rechtschaffenheit (Honestidade intelectual) weberiana, então já é válido pra ser posto à prova da dialéctica. Afinal, foi justamente o sentimento de patotinha que evitou certos questionamentos sobre obras do passado – o que fez com que os autores, escrevendo bobagens tamanhas, fossem levados a sério.

O último livro de Woods é uma explicação (ao que parece bem articulada) duma visão da crise de 2008 como a que descrevi ”Nova” visão sobre a crise e o Estado – defendendo o não-resgate das empresas pelo governo como verdadeira ação capitalista e chama a História a seu favor (talvez seja matéria de post ulterior). Escreveu dois sobre a História e Tradição da Igreja Católica, e mais uns dois sobre História Americana, inclusive um Guia Politicamente Incorreto da História Americana, também sem tradução; mas pelo menos temos o nosso. O livro de maior importância do scholar é Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental, editado aqui pela Quadrante.

Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental Eu já estava de olho no livro logo antes semestre passado – mas por alguma incrível incompetência eu não achei a tradução na época, portanto não li o livro ainda (se alguém quiser me presentear no aniversário ahá! ). Mas acredito que seus principais argumentos estão expostos numa série documental de 12 episódios gravados recentemente. Só achei 6 episódios legendados em português: aproveitem!

Para os católicos a relação entre Igreja e Civilização (há os que preferem cultura, apesar do sentido ser diferente) é há muito sabida. Mas isso parece ficar reduzido a alguns poucos argumentos e poucos praticantes que se deram o trabalho de conhecer e estudar a fundo a História de sua religião. Nesse sentido o escrito de Woods é um trabalho de divulgação, especialmente quando se leva os vídeos em conta. É um chamado à essa área de estudo, conclamando Historiadores da Ciência a pesquisar sobre os desenvolvimentos científicos que a Igreja levou a cabo conjuntamente com o desenvolvimento filosófico e teológico durante toda a sua História e especialmente na Idade Média.

Não quero adiantar os argumentos do autor, especialmente porque sua demonstração histórica mais concisa está no livro ainda não lido por mim. Mas ao que me parece ele não se furta de falar da Inquisição, Galileu, Astronomia, Química e muitas outras áreas de estudo – inclusive a economia – que se não surgiram dentro da hierarquia da Igreja, teve seu maior impulso especulativo justamente sob o clérigo. A noção final que se tem é que: sem toda a imensa contribuição católica jamais haveria Ciência como um método rigoroso que veio a se tornar sob Bacon; ou caso houvesse ciência sem catolicismo, então teríamos uma ciência do Século XXI que estaria próximo à ciência que tínhamos o Século XIX – é a minha visão.

Sem prejuízo ao meu escrito, quero dizer que não sou, jamais fui, católico. Pra mim é irrelevante dizer isso: para o conteúdo e importância desse post e da obra a qual se refere, não fede nem cheira. Mas numa cultura onde todo mundo está acostumado a falar pro domo sua, talvez seja uma ressalva importante, afinal. No mais, conclamo meus colegas estudiosos da História que se deem ao trabalho de conhecer um pouco mais da Igreja e seus feitos por quem sabe o que fala e que não se preocupa em citar fontes só “de dentro”. Farei isso o mais breve possível, e caso alguma outra mudança se produza em meu espírito, relatarei o caso de maneira mais descritiva (porém aproximada) do que fiz n’A Batalha do Apocalipse: o Épico Nacional. Para o engrandecimento intelectual e pessoal de vocês, sugiro que façam o mesmo! Até.

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2 Comentários sobre "Igreja Católica: Construtora da Civilização"

Ikaro em 27 de janeiro de 2010 às 01:31

Ótimo post, seria melhor se assistisse o documentário que te mandei. ahauahahau xD

Comente, mesmo que seja somnete um =D
Seu comentário é o combustível desse blog <<< é álcool, gasolina, GNV ou flex?

 

Érick Delemon em 27 de janeiro de 2010 às 01:39

Ikarooooo! Hahaha Vlw...
Cara, tem comentário que são gasolina... outros são meio alcólicos... em geral galera vai de flex e tudo corre bem hehehehe